terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Como decidir o que fazer da vida


- “Acho que estou maluco.”
- “Não, querido, você não tem problema mental. Essa aflição que você está sentindo é normal. Seja bem vindo à vida adulta.”

Cada idade com seus desafios. Não consigo me recordar das frustrações do tempo criança, a depender dos pais e professores e suas aleatórias autorizações para fazer o que eles queriam, ir para onde eles queriam, comer o que eles queriam, ser amiga de quem eles queriam, estudar o que eles queriam. A dor de ser obrigada a esperar reuniões chatas de adultos para só então ir para casa de minhas amigas brincar já está superada. O mesmo não posso dizer minha sobrinha, de dez anos, que aguardava ansiosamente a hora de ir embora de um almoço de família, no qual os adultos conversavam entre si, sem lhe apresentar nenhuma novidade ou assunto de seu interesse. Porque tem o “gene da teimosia”, acabou provocando uma cena constrangedora para seu pai, chorou, jogou o pedaço de carne no prato do irmão, soltou um “eu te odeio” revoltado, resultando-lhe mais uma punição: “vai ficar de castigo, não vai pra casa de sua amiguinha.” Teria que amargar mais uma tarde de “diversão” em seu quarto com seu computador. A vida é dura, e nos impõe restrições a todo o momento. Essa foi a de Maria.

Enquanto para as crianças a obrigação é concluir as tarefas e terminar o ano aprovado, além de manter todos os seus questionamentos e rebeldia devidamente guardados, para os adolescentes a aceitação dos amigos e amores se torna a tarefa prioritária. A aparência se torna uma obsessão, de satisfação ou de angústia. O início da liberdade de ir e vir confunde a cabeça: vou para onde, fazer o que, com quem? Os limites ainda impostos por depender economicamente dos pais para uns, o trabalho precoce e a necessidade de contribuir para cobrir as despesas de casa para outros. A adolescência gera traumas em todos os que passam por ela. Aí vem a fase adulta.

Chega então um amigo com seu dilema profissional: da área de comunicação, seu trabalho é aleatório, às vezes surgem projetos apaixonantes e esgotantes; às vezes não aparece nada,  quando vem o tédio, junto às dúvidas de como pagar as contas futuras. Ele não tem filhos, ainda bem. Ainda bem? Não, isso também é um problema. Em sua idade, e em sua cidade, não possuir filhos é estar fora do contexto social. Se tivesse filhos, certamente não poderia ter investido em sua carreira, e estaria trabalhando pra se matar em um emprego que não lhe daria alegria, mas pagaria suas contas. Com o avançar da idade, no entanto, é exatamente isso que ele almeja: quer casar, ter filhos, passar num concurso público para ter estabilidade. Nem imaginando que, se o conseguir, pensará naquele dia que desistiu de sua carreira e escolheu essa rotina tradicional até a sua morte: “e se eu tivesse arriscado investir em meu talento e fizesse o que eu gosto?”. Nunca saberia, estaria velho, saindo para beber com os amigos, traindo a esposa com alguma mulher carente, refletindo sobre como poderia ter sido diferente sua vida se tivesse paciência. A vida é feita de escolhas. Será? Escolhemos a educação que tivemos, a qual influencia nossas escolhas? Escolhemos o padrão de vida que crescemos, a cidade que nascemos e mora nossa família? Escolhemos as nossas mais fundamentais experiências de infância? Que escolhas são essas que fazemos? Sei não, viu, esse negócio de escolha pra mim é só fachada...

Casamento (preferencialmente hetero) + filhos saudáveis e sorridentes + carro + casa + dinheiro + emprego estável + saúde = felicidade. É essa a fórmula mágica ensinada para nós, eternas crianças, como sinônimo de satisfação na vida. Nessas variáveis, vale sacrificar as preferências sexuais, para manter o padrão; trabalhar o dia inteiro e abrir mão da convivência com os filhos, para acumular bens; trabalhar em algo que não dá prazer, para juntar dinheiro. É melhor manter casamentos destrutivos, para reforçar a crença da sociedade na estabilidade de seu caráter e família. É alto o custo pago para quem “viola” essas leis, seja para quem se assume homossexual, ou não deseja acumular bens, ou não desiste de seu sonho de encontrar o romance ideal, ou não tenha filhos, ou escolha uma profissão que lhe dá prazer mas remunere mal. Gera uma sensação eterna de “eu não sou daqui... mas sou de onde?”.

Para quem tem família, também a pressão. Dos filhos, crianças, vêm as cobranças para ter o que os pais dos amigos oferecem. Na profissão, é conviver com carreiras que ganham absurdamente mais que outras, por pessoas bem sucedidas mas despreparadas ou desonestas, e digo em especial no serviço público, cuja estabilidade mantém empregados muitos incompetentes convictos (e isso incomoda tanto quem está fora do serviço público quanto quem está dentro e gosta de trabalhar). Do(a) companheiro(a), é a atenção sempre correspondente à necessidade alheia; qualquer desequilíbrio nessa equação pode ser fatal para a paz naquele dia.

Quando estou refletindo sobre essas aflições, compartilhadas entre meus amigos e minhas amigas companheiros(as) de luta contra a loucura, eis que me aparece D. Cleonice, que me ajuda com a faxina de casa, uma senhora de 51 anos, séria, evangélica. Quando eu perguntava para ela: "e aí, D. Cleonice, como a senhora está?”, ela geralmente respondia com um ar de cansaço e lamentação: “tamo na luta, um dia a gente vence!”. Hoje não. Com um imenso sorriso no rosto, às sete horas da manhã me despertou com uma reflexão sobre a vida: “a gente está sempre inquieto, reclamando de alguma coisa. Se faz sol, a gente reclama do calor. Se chove, a gente reclama que não dá pra ir trabalhar direito. A verdade é que a vida não para de nos dar desafios, a gente tá o tempo todo buscando alguma coisa pra fazer. Mas me diga, e se a gente tivesse tudo, como é que seria? Iria acordar todos os dias para fazer o que? Se a gente não passar por sofrimento, quando vierem pedir conselho pra gente, a gente vai responder o que? E quando a gente ficar velho, vai se orgulhar de que histórias pra contar? A vida é assim mesmo, não para, não para...”
Notando um certo brilho no olhar, diferente dos demais dias, insisti na pergunta:  “Sim, D. Cleonice, mas me conte, como foi seu final de ano?”. Foi quando ela me confessou:
- “Arrumei um namorado!”
- “Aquele senhor de sua igreja que estava teimando em não assumir um relacionamento sério com a senhora?”
- “Aquele velho que só queria me usar? Que dizia que a gente não tem mais idade para casar? Que ficava comigo, pra fazer as coisas que a gente precisa fazer de vez em quando, e depois tchau? Não, aquele eu nem quero mais ver na minha frente. É um que eu conheci num trabalho. Juro que fui sem pensar em nada, pra trabalhar mesmo. Já tenho meus oito filhos criados, a mais velha já com trinta e dois anos, todos trabalhando: um policial, outro pedreiro, cozinheira de um restaurante do shopping, os outros fazem biscate. Fui lá pra trabalhar mesmo, minha patroa me chamou pra uma viagem, entrei no carro, foi quando conheci ele. Tava indo pra casa dela fazer um serviço de pedreiro. Quando entrei, ele ficou me olhando. A viagem toda, eu conversando com minha patroa, ele não tirava o olho de mim. Chegou na casa dela, ele me olhando. Ia trabalhar, passava lá na cozinha, eu fazendo o almoço, olhando, olhando. No outro dia, puxou assunto, veio me perguntar se eu era casada, aí eu disse 
‘- oxe, e o pra que você quer saber, de uma velha como eu? Quantos anos você tem?’.
 ‘- Vinte e sete. Não diga isso, você é linda’. 
‘- Tem a idade do meu filho!’. 
‘- Me apaixonei por você assim que eu te vi’. 
E me pediu um beijo! Aí chegou gente, eu me afastei, e disse que ia perguntar a Deus, o que Ele dissesse eu iria fazer. No outro dia, domingo, cheguei da igreja, e ele foi lá na cozinha, chegou de mansinho, me agarrou e me deu um beijo, um beijo daqueles que... ah meu Deus, que momento bom! Aí a gente começou, a gente passeia, ele me levou pra praia, aí eu perguntei: ‘e você vai querer andar com uma mulher de 51 anos, toda cheia de pelanca?’. Pois ele chegou lá todo cheio de ciúme, só quer andar agarrado comigo, só vive dizendo que quer casar, que quer me ver o tempo todo, que me ama. Já conheceu meus filhos, e eles aprovaram: ‘desde que lhe trate bem, que não seja como meu pai, a gente aceita’. Nunca tive um fim de ano tão bom, tinha a quem beijar, abraçar, dizer que eu amo. Agora mesmo ele já me ligou. Não desgruda.”
Desligando o telefone, com um sorriso no rosto, dizendo 'xau, meu amor, também te amo', D. Cleonice exclama: "Esse ano eu virei decidida a fazer o que gosto, a não me preocupar com o que os outros vão dizer. Num quero nem saber. Esse ano escolhi ser feliz!"


Não, você não está completamente pirado(a). Só precisa ter paciência com a vida, e entender suas aleatoriedades. A natureza não é verão o ano todo, entenda seus ciclos. Decida sua vida como sua educação e sua história de vida te conduzem, mas busque fazer algo que você é apaixonado, nos intervalos de beijos apaixonados. Em todas as escolhas (ficar solteiro, casar, trabalhar em serviço público, ser autônomo, ter filhos etc) haverá momentos de alegrias, haverá inúmeras frustrações. Respeite os intervalos de tédio, são necessários para equilibrar o corpo. A vida é assim mesmo, não é todo dia que o sol é bom, nem que a chuva é boa, mas eles vão aparecer, independente de sua vontade. Como tudo nessa vida aleatória.
A verdade é que ninguém foge de si mesmo. Então seja você mesmo, com seus sonhos e sua rebeldia, e considere a vida como um balanço: sente-se confortavelmente, mova-se e dê o seu ritmo.

“Um dia a gente vence”.


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